ARTIGO: Testosterona, o hormônio da vez
No dia a dia do consultório, é praticamente impossível não nos depararmos com uma dosagem aleatória de testosterona entre exames de rotina, em pacientes que desejam melhorar sintomas como cansaço ou que pretendem aumentar a massa muscular e a libido. O tema é bastante controverso, embora respaldado por vasta literatura e pareceres de consagradas instituições médicas. Muitas vezes, a simples realização da dosagem laboratorial induz à prescrição da testosterona. Mas será realmente necessária a reposição? Seria ela a tábua de salvação dos problemas do nosso século? Afinal, quem não gostaria de melhorar sua performance, não é mesmo?
Na endocrinologia, a prescrição ou não de um hormônio é baseada na presença de sintomas e sinais clínicos comprovados por dosagem laboratorial e testes diagnósticos. Na avaliação da testosterona, esse cenário não é diferente.
A testosterona é o principal hormônio masculino circulante, sendo essencial na função reprodutiva, no estabelecimento e na manutenção das características ditas masculinas, além de desempenhar papel importante nos músculos e ossos. No homem, o chamado hipogonadismo é diagnosticado por meio de sintomas e sinais consistentes com a deficiência de testosterona (T) e concentrações séricas inequívocas e consistentemente baixas desse hormônio.
A diminuição significativa da ação androgênica está associada a uma síndrome que envolve osteoporose, fraqueza, redistribuição de gordura corporal, anemia, diminuição da libido e da função sexual, mal-estar e anormalidades cognitivas.
Hipogonadismo
Pacientes com hipogonadismo geralmente apresentam diminuição dos níveis de testosterona, contagem de espermatozoides ou ambos, juntamente com aumento na concentração de dois outros hormônios produzidos pela hipófise: o hormônio folículo-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH).
Outras doenças também podem interferir na função hormonal masculina, como hemocromatose, doença falciforme, alcoolismo, tratamento com glicocorticoides e, ainda, a própria idade. Além disso, qualquer doença aguda ou crônica, uso de medicamentos, obesidade, desnutrição e exercícios excessivos podem diminuir os níveis de testosterona.
A definição de deficiência androgênica não é simples. Definir níveis plasmáticos de testosterona abaixo do limite inferior do normal para idade e sexo é dificultado pelo fato de que os níveis de andrógenos caem naturalmente com a idade, e tal alteração não é necessariamente anormal nem requer correção.
Sua dosagem requer expertise na solicitação e interpretação laboratorial. Como a testosterona apresenta ritmo circadiano, deve ser colhida em jejum, até as 10 horas da manhã, após uma boa noite de sono. O diagnóstico nunca deve ser baseado em apenas uma dosagem: são necessárias duas coletas para confirmação, pois, no mesmo paciente, valores podem variar em até 30% entre dias diferentes.
Testosterona nas mulheres
Nas mulheres, com base nas últimas recomendações da Endocrine Society, o diagnóstico de deficiência androgênica em pacientes saudáveis não deve ser feito, pois ainda não há dados que correlacionem os níveis de andrógenos com sinais ou sintomas específicos. Níveis hormonais baixos de testosterona não são preditivos de função sexual diminuída.
Essa questão é ainda agravada pela falta de ensaios padronizados e precisos para dosar andrógenos nos baixos níveis encontrados nas mulheres e pela ausência de intervalos de referência válidos. A dosagem de testosterona com o método utilizado na maioria dos laboratórios pode subestimar o nível hormonal, levando ao falso diagnóstico de deficiência.
Libido
Atualmente, não é infrequente a prescrição de testosterona para mulheres na menopausa, na tentativa de recuperar ou melhorar a libido. No entanto, a libido feminina não é dependente exclusivamente da testosterona. O desejo sexual envolve um conjunto de fatores orgânicos, psicológicos, relacionais e motivacionais.
A utilização da terapia androgênica na pós-menopausa é um tema controverso e exige cautela por parte dos profissionais médicos. Muitas vezes, nas fases de transição da menopausa, as queixas se relacionam a alterações no desejo sexual e à dispareunia (dor durante a relação sexual), sendo necessária atenção à reposição sistêmica, quando não contraindicada, dos hormônios femininos (como o estradiol).
A indicação para reposição de testosterona na população feminina é bastante específica: restringe-se a pacientes diagnosticadas com transtorno do desejo sexual hipoativo, que solicitam tratamento e não apresentam contraindicações.
A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, combina desejo/interesse e excitação subjetiva/física em sua definição de transtorno de excitação e interesse sexual. Esse diagnóstico inclui a presença de interesse reduzido na atividade sexual e ausência de excitação diante de estímulos eróticos externos.
O diagnóstico é feito clinicamente por meio de questionários validados, que também são usados para monitorar a resposta ao tratamento. Entretanto, nem todas as mulheres respondem à reposição. No Brasil, até o presente momento, não existe formulação medicamentosa contendo androgênios aprovada para uso específico em mulheres.
Formulações contendo testosterona e seus derivados, destinadas ao uso masculino, devem ser desencorajadas para prescrição feminina, devido ao grande risco de superdosagem e à dificuldade de monitoramento terapêutico.
*Dra. Maria Augusta Karas Zella é endocrinologista/metabologista e professora de Semiologia e Endocrinologia da Faculdade Evangélica Mackenzie Paraná (FEMPAR).
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